terça-feira, 18 de setembro de 2012

O velho e a moça


Algo tão subjetivo como tentar narrar minha vida, como contar uma piada e não saber como você chorou de rir, é o arrepio e a falta de equilíbrio. Ou o equilíbrio sem conformismo, é a fome. Como narrar uma noite estrelada de 2010 no sítio da tia Lu no interior de São Paulo. É algo sem sentido por meio dos meus sentidos. Uma sensibilidade aguda. Essa é a tal experiência estética para mim. Que redundância a minha – é minha (e) experiência.

Talvez não tenha a menor graça saber, talvez não saber seja confortável, mas me intriga cada noite estrelada quando olho para cima e vejo aqueles milhares de pontinhos brancos. Somos tão limitados, não definimos nem a cor das coisas no céu, é tudo branco.

Um olhar tímido. Até meio esnobe, talvez. Não, não, com o canto do olho se aprofunda em algo que ninguém mais viu. Talvez que ninguém veja. Ah, mas eu te vejo! Sozinha no ar, com o pulsar dos sinos – vermelhos, roxos, verdes: ninguém sabe! – no azul marinho do céu.

E me surgem aquelas perguntas de criança que se vão conforme o tempo, que nunca nos é respondida: por que o céu é azul? E o que é uma estrela cadente? Me lembro que somos restos de poeira estelar. Isso nos torna parte um no outro. Uma grande família. Ou distantes? Quem sabe misturados.

De repente, um dragão branco! É, ou vermelho como fogo! Ela foge, brinca, se envolve e o dragão parece ter sido hipnotizado (quem sabe tenha sido eu), encantado. Encanto dessa sabedoria. Dessa solidão cheia. Claro, claro, velhinho, você também está aí. Como gostaria de poder sugar um pouco do seu conhecimento, mantê-lo fresco no ar. Tolo, o dragão tenta possui-la, enquanto lá vai o narigudo puxando suas rédeas, parece se divertir ou quer desvendá-la. Deve ser pura paixão. Pureza aonde? São nuvens!


Olho para o chão: o frio correu pelas minhas mãos. Me mexendo, faço barulho, assusto o que viria me espantar. Vontade de dançar. Repousar minha cabeça no seu peito cheio, seu cheiro... Calma! É a vez do velhinho antes. Quem sabe para de me encarar. Não foi o que eu quis dizer, sábio, meu carinho é tanto por você que seu sorriso bigodudo me dá vontade de rir. É, rir. Ao som de palmas. Com um vestido molenga rodando, laranja. Um cheiro de madeira com homens suados dançando ao redor. Olho para o chão novamente e volta o medo de insetos noturnos.

Toda vez que olho para a Lua, com sua luz espelhada do Sol, e para as luzes que piscam acima de minha cabeça, me sinto tão insignificante, tão faminta de sabedoria, de descobertas e de mistérios. Toda vez parece que estou olhando para uma pintura nova.

Mas ela, o velhinho? Trompetes em vez de sinos, todos coloridos no céu. Um dourado. Pulsante, que longe! Queria te ver de perto! Vou parar sentada num banco de madeira no meio do parque. Mas você vai estar lá, velhinho, tomando conta de mim. Lá de cima. Enquanto ela devolve esse olhar curioso, tímido e sensual para mim. Ela ilumina todos os cantos da pedra gelada. Não está refletindo o dono de nossas vidas, mas sim mostrando a essência. Sua ou do Sol?

Vou-me embora, o frio das mãos passou pela barriga. Meu corpo é mais lento, minha mente te alcança, até voa. Perpassa o colorido dragão, aparentemente bravo; seus cabelos arrepiados e você. Nua. Branca ou colorida.

Quero o olhar dela de novo, sussurre. Lua, volte.


Texto e desenhos por Keryma C. Lourenço

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