quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Um solo sem uma base


Um dia meu irmão me contou a pior coisa que se pode ouvir.
Entrei naquele quarto e fingi que nada estava acontecendo. Mas como mentir algo tão serio para o próprio pai? Era obvio que ele já sabia. Ninguém havia falado nada, mas ele sabia.
Segurei o choro e lhe dei um abraço como sempre fazia ao chegar naquele quarto.
Lembro de segurar aquela mão quente e aconchegante, aquela mão calejada de uma vida inteira de muito violão. Passei horas assim, apenas conversando. Ouvir aquelas palavras que ele dizia; palavras que não voltam mais.
Ele fazia graça e tentava me distrair, pedindo pra tirar fotos engraçadas e fazendo caretas. Em nenhum momento demonstrou o que sentia, nunca admitiu nada. Queria sempre nos deixar mais tranqüilos.
Por dentro era tudo confusão, mas por fora só se via paz e tranquilidade.
Parecia que ele sentia mais curiosidade do que medo; curioso com o que iria acontecer,  com o que iria sentir.
Passei muito tempo naquele quarto. Curtindo coisas que eu sabia que não poderia curtir mais. Naquele momento, queria mais do que nunca dois violões para poder tocar algumas musicas com ele.
Mas conforme passaram-se as horas, não aguentei. Era um pensamento muito impossível na minha cabeça, não podia ser verdade, não podia acreditar, não queria acreditar. Tive que sair daquele quarto.

Nesse instante, vi meu pai tocando violão em casa; vi o momento que pedi para me ensinar a tocar minha primeira musica.
Me vi sentado na sala treinando aqueles três acordes,  me perguntando se um dia eu iria conseguir tocar que nem ele.
Lembrei dos inúmeros momentos em que disse que estava orgulhoso de mim.
Vi então o show dos meus irmãos; estávamos em uma pequena cidade do interior. Meu pai era famoso naquela cidadezinha, todos conheciam suas musicas. Chegou então o momento. Meus irmão o chamaram para subir ao palco e tocar sua musica. Era praticamente um hino para aquela cidade.  Eu o olhava com muito orgulho.
Foi então que meus irmão sorriram, e meu pai olhou para mim e disse: “Filho, vem tocar!”
Nervoso, subi ao palco, sorrindo como nunca havia sorrido antes. O lugar estava lotado. Começamos a tocar. Lembro de ver meu pai botando todos pra pular e cantar junto. Estava realizando um sonho.
Foi incrível, um dos melhores momentos da minha vida.

Um pequeno sorriso apareceu no meu rosto. Limpei as lagrimas, respirei fundo e resolvi voltar. Não podia deixa-lo tocar essa musica sozinho.
Ao entrar naquele quarto, olhei para ele, mas ele não olhava mais pra mim. Segurei sua mão, ele apertou de volta , me mostrando que ainda estava lá. O abracei com cuidado.
Lhe contei em seu ouvido quais seriam as próximas canções. Os próximos shows.
Queria muito ouvir um único som, mas as cordas já estavam enferrujadas e desafinadas. Tive que tocar sozinho. Falei tudo que tinha pra falar. E sua mão sempre apertando de volta para me dizer que a musica não havia acabado.
Ele parou de apertar, mas eu não parei de tocar.
Percebi que essa era a ultima musica, e que dessa vez não haveria bis.
Fiquei forte, até o fim do pior show da minha vida.
Ele abriu os olhos uma ultima vez. Aqueles olhos grandes e verdes, que já não olhavam mais pra lugar nenhum. Meu pai tocou sua ultima nota.

A grande musica meu pai havia ensinado todas os acordes, mas o solinho agora eu teria que aprender sozinho. O problema é que meus dedos estavam todos quebrados, e eu teria que aprender as notas mais uma vez.

Tenho agora que fazer o solo sem a sua base...




Pedro Pinheiro

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